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DOCUMENTO
UM CURRÍCULO DIFERENCIADO PARA HOMENS E MULHERES.
A TARDIA MUDANÇA CURRICULAR NO GINÁSIO DE CAMPINAS A PARTIR
DA INSERÇÃO FEMININA EM 1909
Cristiana Maria Mendonça Panhan
Faculdade de Educação
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
cristianapanhan@gmail.com
RESUMO
O Ginásio de Campinas, atual Escola Estadual “Culto à Ciência” manteve ao longo dos seus
primeiros anos de funcionamento um currículo escolar enciclopédico, de caráter propedêutico
e eclético, característica apontada por Moraes (2006), Nadai (1987) e Alvez (2009) aos
descreverem sobre as disciplinas dos três Colégios, respectivamente, Ginásio de São Paulo,
Ginásio de Campinas (atual EE “Culto à Ciência”) e Ginásio Nacional (Colégio Pedro II), no
Rio de Janeiro. Segundo as autoras, essa característica se deu pelo fato desses Colégios terem
um caráter preparatório para os cursos superiores, o que também contribuiu para o impedimento
à entrada feminina e, portanto, à permanência do sexo masculino. Com a entrada das primeiras
mulheres, a partir de 1909, não houve, de imediato, mudança na estrutura curricular, somente a
partir de 1942 percebe-se a inserção de disciplinas voltadas para a educação da mulher no lar.
Palavras-chave: Educação Feminina. Ginásio de Campinas. Patrimonio Histórico-Educativo.
INTRODUÇÃO
O Ensino Secundário em Campinas era de difícil acesso para as mulheres no final do
século XIX, prevalecendo o estudo primário para esse público. A cidade contou com apenas
uma instituição particular de curso secundário, de cunho misto, o Colégio Internacional, que foi
fundado em 1872, por uma associação protestante dos Estados-Unidos, e possuía, em 1884, 67
alunos entre internos e externos. Nesse mesmo período a EE “Culto à Ciência”, funcionava em
Campinas como Colégio Culto à Ciência, uma instituição secundária masculina, fundada e
mantida, desde 1874, pela maçonaria. Mesmo em 1896 com a reabertura da instituição como
escola republicana e com a importância de ser o segundo Ginásio do Estado de São Paulo e o
primeiro Ginásio de Campinas, seus alunos eram exclusivamente do sexo masculino, recebendo
as primeiras estudantes mulheres somente a partir de 1909.
Para além de Campinas, no período supracitado, havia o Ginásio da Capital, em São
Paulo, fundado em 1894, nas primeiras cadas do século XX. No mesmo período, o Ginásio
Nacional, antigo Colégio Pedro Segundo, primeira instituição oficial de ensino secundário,
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inaugurado em 2 de dezembro de 1837, no período imperial, havia passado todo esse período
como um colégio masculino.
No Regimento desses colégios não havia nada que impedisse a matrícula do sexo
feminino, prevalecendo as alegações por parte dos Colégios com custo de pessoal, material e
instalações, como obstáculos para a matrícula do sexo feminino.
Segundo as autoras Moraes (2006), Nadai (1987) e Alvez (2009), ao descreverem sobre
as disciplinas dos três Colégios, respectivamente, Ginásio de São Paulo, Ginásio de Campinas
(atual EE “Culto à Ciência”) e o Ginásio Nacional (Colégio Pedro II), no Rio de Janeiro, os
currículos destas instituições possuíam como característica o caráter propedêutico e eclético,
ou seja, tinha um caráter preparatório para os cursos superiores, direcionados ao sexo
masculino, uma vez que o acesso ao sexo feminino ao Ensino Superior ainda não era permitido,
isso acarretava o impedimento à entrada de mulheres e a permanência apenas do sexo masculino
nos Colégios Secundários.
O CURRÍCULO DA ESCOLA ESTADUAL “CULTO À CIÊNCIA”
No caso do Ginásio de Campinas, atual EE “Culto à Ciência”, o currículo no período
entre 1916 a 1942 era composto por Aritmética e Álgebra, Geometria, Álgebra, Chimica e
Physica, Instrução Moral e Cívica, História Universal, Italiano, Geometria e Trigonometria,
Cosmologia, História e Antropologia, Psicologia e Lógica, Ginástica, Literatura, Grego,
Música, História da Civilização, Matemática, Desenho, Geografia, Inglês, Latim, Alemão,
Chimica, História Natural, Philosophia, Phisica, História do Brasil, Francês, Português,
Mecânica e Astrologia, Sociologia, como mostra o quadro 1 abaixo:
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QUADRO 1
Fonte: Arquivo documental da EE "Culto à Ciência".
Havia forte representação de disciplinas voltadas para o estudo das nguas e das
ciências, como mostram os quadros 2 e 3 abaixo:
QUADRO 2
Fonte: Arquivo Documental EE "Culto à Ciência" de Campinas
Disciplinas Anno
Ano do Primeiro
Registro
Encontrado
Anno (Série em
que foi
Ministrada)
Ano Último
Registro do
Encontrado
Período de
Duração da
Disciplina em
anos
Francês 1916 1942 26
Inglês 1916 1941 25
Italiano 1916 1930 14
Português 1916 1942 26
Latim 1916 4º e 5º 1941 25
Alemão 1916 1941 25
Grego 1916 1932 16
Disciplinas Anno
Ano do Primeiro
Registro
Encontrado
Anno (Série em
que foi
Ministrada)
Período de
Duração da
Disciplina em
anos
Aritmética e Álgebra 1916 2º e 4º 1927 11
Geometria 1916 1927 11
Álgebra 1916 3º e 4º 1929 13
Chimica e Physica 1917 4º e 6º 1929 12
Instrução Moral e Cívica 1927 1930 3
História Universal 1927 1930 3
Italiano 1916 1930 14
Geometria e Trigonometria 1916 1930 14
Cosmologia 1930 1930 1
História e Antropologia 1917 1930 13
Psicologia e Lógica 1917 1930 13
Ginástica 1916 1931 15
Literatura 1917 1931 14
Grego 1916 1932 16
sica 1931 1935 4
História da Civilização 1931 4º e 5º 1941 10
Matemática 1931 4º e 5º 1941 10
Desenho 1916 4º e 5º 1941 25
Geografia 1916 1941 25
Inglês 1916 1941 25
Latim 1916 4º e 5º 1941 25
Alemão 1916 1941 25
Chimica 1930 4º e 5º 1941 11
História Natural 1917 1941 24
Philosophia 1930 1941 11
Phisica 1930 e 5º 1941 11
História do Brasil 1917 1941 24
Francês 1916 1942 26
Português 1916 1942 26
Mecânica e Astrologia 1930 Não Encontrado o Encontrado o Encontrado
Sociologia 1929 Não Encontrado o Encontrado o Encontrado
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QUADRO 3
Fonte: Arquivo Documental EE "Culto à Ciência" de Campinas
No quadro da Figura 2, com exceção do Grego e Italiano, todas as outras línguas foram
ministradas em mais de 2 décadas de ensino no período analisado, com destaque para Português
e Francês que foram ministradas por um período de 26 anos, seguidas de Alemão, Inglês e
Latim, por 25 anos. Ao todo a EE “Culto à Ciência” ministrou 7 línguas por um longo período.
O quadro da Figura 3 apresenta as disciplinas que permaneceram por mais de uma
década na grade curricular.
Percebe-se uma grade eclética ao longo dos 4 anos do curso ginasial da EE “Culto à
Ciência”, apesar da forte presença de disciplinas voltadas às ciências e línguas, o ginásio
contava com disciplinas de música, desenho, ginástica, instrução moral e cívica, sociologia,
história e filosofia.
Características presentes nos currículos do ginásio do Estado de São Paulo e Colégio
Pedro II.
Segundo Nadai (1987), as disciplinas que compunham o Ginásio do Estado de São Paulo
durante os 3 primeiros anos de curso ginasial, no início da República, eram Portuguez, Francez,
Inglez, Allemão, Italiano, Latim e Noções de Grego, Arithimética e Algebra, Geometria e
Trigonometria, Mechanica e Astronomia, Physica e Chimica, História Natural, Geographia e
Cosmographia, História, História do Brasil, Anthroplogia, Psycologia e Lógica, Desenho,
Gymnástica, Exercicios Militares e Jogos Physicos.
O currículo do Colégio Pedro II de acordo com Vechia e Lorenz (1998) tinha como
disciplinas, do final do período imperial até 1942, álgebra, alemão, analyse, artes, astronomia,
botânica, chorographia, chorographia do Brasil, cosmografia, desenho, educação física,
elementos de geografia e aritimetica, francez, geografia, geografia social e econômica,
geologia, geometria, grego, gymnastica, história da civilização, história da literatura, história
da literatura brasileira, história da literatura portuguesa, história do brasil, historia geral, historia
media, história moderna e contemporânea, história natural, história natural e hygiene, historia
sagrada, história universal, Hygiene, Inglez, Instrução Moral e Cívica, Italiano, latim,
Disciplinas Anno
Ano do Primeiro
Registro
Encontrado
Anno (Série em
que foi
Ministrada)
Ano Último
Registro do
Encontrado
Período de
Duração da
Disciplina em
anos
Álgebra 1916 3º e 4º 1929 13
Aritmética e Álgebra 1916 2º e 4º 1927 11
Geometria 1916 1927 11
Geometria e Trigonometria 1916 1930 14
Matemática 1931 4º e 5º 1941 10
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lexicologia e syntaxe, literatura, lógica, matemática, metereologia, mineralogia, moral
especulativa, moral prática, música, filosofia, physica e chimica, portuguez, Psycologia,
recitação, religião, rhetorica e poética, sociologia, theodiceia, trigonometria, zoologia.
Sobre esse caráter eclético dos estudos nos Ginásios, Nadai coloca:
o currículo dos Ginásios perdeu a diversificação proposta para as duas últimas
séries, assumindo realmente o caráter que dominou durante toda a primeira
República: estudos ecléticos, com predominância de línguas (clássicas e
modernas) e ciências, principalmente nos diversos ramos da matemática.
(Nadai, 1987, p. 53).
A inserção das matrículas femininas a partir do ano 1909 na EE “Culto à Ciência” instiga
que se busque também por mudanças na estrutura curricular no decorrer dos anos que se
seguiram. Para esta busca, se fez pertinente o estudo nos documentos das disciplinas
ministradas de 1909 a 1948, apoiados, em especial, em Goodson (1997) quando este destaca
que a disciplina escolar se constitui em um dos prismas através do qual se pode vislumbrar a
estrutura do ensino estatal.
Nesta busca, verificamos que somente a partir de 1942 são visualizadas alterações
significativas no currículo dos cursos no que tange o estudo para as mulheres, que no final da
primeira metade do século XX já estavam em maior quantidade nos Ginásios.
As alterações de currículo na da EE “Culto à Ciência” incluem duas disciplinas, a
primeira com o nome de “trabalhos manuais” e a segunda com o nome de “economia
doméstica”.
Entre os anos de 1909 e 1942 não houve qualquer alteração significativa no currículo
da EE “Culto à Ciência” que se articulasse à entrada das mulheres no Ginásio de Campinas.
A Figura 4 abaixo mostra o contdo da primeira disciplina a ser incluída no currículo, a de
Trabalhos Manuais” no ano de 1942 em que foi ministrada para a e séries A e B
...Cartonagem: Sólidos geométricos- paralelepípedo- prismas, pentagonais e hexagonais-
Abat-Jour.” E para a 2 série A e B “...Cartonagem-Cadeira- poltrona - cadeira de balanço.
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FIGURA 1 - Conteúdo Ministrado na Disciplina de Trabalhos Manuais no ano de 1942
Sem identificação de página.
Fonte: Arquivo Documental da EE “Culto à Ciência”.
De acordo com anotações esparsas em documentos avulsos e datilografados, constantes
no Arquivo Histórico da escola, essa disciplina foi ministrada nos de maio do ano de 1942
nas 1º, 2ª séries para o sexo masculino. Neste mesmo mês foram ministradas as disciplinas de
Português, Latim, francês, inglês, História Geral, História do Brasil, Geografia Geral e do Brasil,
Matemática, Química e História Natural.
Em relação ao conteúdo da segunda disciplina a ser incluída no currículo da EE “Culto à
Ciência”, no ano de 1942 “Economia Doméstica”, temos:
Conceitos para o sucesso como cozinheira. Orientações de uma dona de casa.
Mandamentos da cozinheira. Conceitos uteis para o bom resultado na
pastelaria. Medidas aproximadas. Sopa paulista Arros (sic) solto- Feijão a
brasileira- Carne de panela com batatas- couve a mineira Creme de Ameixa
– Café – Sopa de batatas – Virado de Feijão – Linguiça. Espinafre com ovos –
Creme de Leite – Licor de Mexirica.
FIGURA 2 Conteúdo Ministrado na Disciplina de Economia Doméstica
Sem identificação da página.
Fonte: Arquivo Histórico Documental da EE “Culto à Ciência”.
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Neste mesmo mês foram ministradas aulas de Português, Latim, Francês, Inglês,
Matemática, História, Geografia, Ciências, Canto Orfeônico, Educação Física, Desenho,
História do Brasil.
Verificou-se, pelo conteúdo da disciplina, uma preocupação em ensinar a boa prática da
cozinha para as mulheres, preocupação já presente quando foi formulado o Decreto-Lei Título
III - do ensino secundário feminino, art. 25 prescrição 4 que determina que a orientação
metodológica dos programas terá a natureza da mulher como direção e a educação para dentro
do lar.
1
No mês de julho a disciplina de “Trabalhos Manuais”, passa a ser ministrada para ambos
os sexos, mas com conteúdo distintos, para o sexo feminino o conteúdo da disciplina de
“Trabalhos Manuais” é como o descrito abaixo:
[...] Bainha – início – conclusão da lição anterior – Nervura, aprendizagem do
ponto empregado preguinha largura do meio centímetro Remendo
redondo Finalidade Conservar a linha de um círculo Continuação da
lição anterior. Remendo Quadrado Conservar a figura perfeita de um
quadrado – Casa forrada
– Início –
Bainha Início Conclusão da lição anterior Nervura. Aprendizagem do
ponto empregado. Prega de meio centímetro de largura – Remendo Redondo.
Continuação da lição anterior Remendo Quadrado Casa Forrada. Início.
continuação da lição anterior.
Essas mudanças no currículo do Gymnásio de Campinas mostram o caráter social
afirmado por Goodson ao colocar que “O currículo é confessada e manifestamente uma
construção social” (Goodson, 1997, p. 95) em que se se manifesta um enviesamento de classe,
de gênero e de raça presente nas disciplinas escolares.
Por sua vez, em 1945, o Colégio Pedro II inclui em seu currículo as disciplinas de
Trabalhos Manuais de acordo com a Portaria n° 557, de 16 de novembro de 1945 para o curso
Ginasial. E, em 1946, pela Portaria Ministerial 14, de 07 de janeiro, o Programa de Economia
1
DECRETO-LEI 4.244, DE 9 DE ABRIL DE 1942 -Lei orgânica do ensino secundário. TÍTULO III Do ensino
secundário feminino Art. 25. Serão observadas, no ensino secundário feminino, as seguintes prescrições
especiais: 1. E' recomendável que a educação secundária das mulheres se faça em estabelecimentos de ensino de
exclusiva frequência feminina. 2. Nos estabelecimentos de ensino secundário frequentados por homens e
mulheres, será a educação destas ministrada em classes exclusivamente femininas. Este preceito deixará de
vigorar por motivo relevante, e dada especial autorização do Ministério de Educação. 3. Incluir-se-á, na terceira
e na quarta série do curso ginasial e em todas as séries dos cursos clássico e científico, a disciplina de economia
doméstica. 4. A orientação metodológica dos programas terá em mira a natureza da personalidade feminina e
bem assim a missão da mulher dentro do lar.
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Doméstica (Vechia; Lorenz, 1998).
De acordo com Vechia e Lorenz (1998), as disciplinas foram ministradas para as e 2°
séries e 3° e 4° séries, respectivamente, entretanto não foi possível constatar se havia separação
de sexo para a disciplina de Trabalhos Manuais, o conteúdo desta disciplina incluía trabalhos
com madeira, metal e massa plástica. Contudo, na descrição do conteúdo da disciplina de
Economia Doméstica, fica bem claro a que sexo ela seria ministrada, como destaca o trecho
“Unidade I Objeto da Economia Doméstica A importância da vida em família e o nobre
papel que nela compete à mulher. 2. A necessidade da economia doméstica e os estudos que
comporta.” (Vechia; Lorenz, 1998, p. 378).
De acordo com o programa de Economia Doméstica, os conteúdos a serem ministrados
nas e séries incluíam além da introdução da unidade I supracitada, arranjo e higiene da
habitação, preparo, conservação e uso das roupas, preparo, conservação e uso dos alimentos,
contabilidade doméstica, noções de puericultura e noções e serviço social, além de exercícios
práticos, o trabalho com agulhas como pontos, bainha, confecção de peças, crochê, tricô e
bordado entram no currículo deste colégio como exercício prático.
Goodson (1995) mostra que o processo de construção do currículo não é um processo
lógico, para se chegar a um currículo muitos caminhos são percorridos, entre eles lutas socias,
disputas de poder, disputas intelectuais, disputa de interesses, dominação por fatores de classe,
raça e gênero.
De acordo com Oliveira (2006) A disciplina de economia doméstica teve seu início no
ano de 1909 com a advento das novas formas sociais a partir da Revolução Industrial e coloca a
Economia Doméstica como “A preocupação com a família, a solução racional de seus problemas
e a preocupação com a educação do indivíduo para uma vida melhor, constituem o objetivo da
Economia Doméstica(Oliveira, 2006 p. 81), motivo pelo qual a disciplina foi direcionada ao
sexo feminino desde quando era ministrada nas Escolas Preliminares como menciona NADAI,
Sugeria ainda a modificação no programa de estudos da Escola Complementar
com a introdução de "escrituração mercantil, direito usual, além de noções de
economia política para os homens, e economia doméstica para as mulheres;
taquigrafia, moral e educão cívica e agrimensura". (Nadai, 1987 p. 39).
Verificamos que a disciplina de Economia Doméstica tem um objetivo definido que é o
de moldar a educação feminina para as novas necessidades que as transformações sociais
estavam demandando.
Para atender estas novas necessidades sociais, estabeleceu-se pelas instituições as
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formalizações dessa demanda pelas disciplinas que foram direcionadas aos sexos de acordo
com o conteúdo a ensinar e separadas por salas e turmas, como podemos observar nos
documentos da EE “Culto à Ciência” sobre as reformas solicitadas para atender a demanda
feminina que crescia e necessitava de ambientes próprios.
Constatou-se nos documentos “Extrato de Processo 659 de 1947”, e “Extrato de
Processo 8570 de 48, do Departamento de Educação”, a solicitação junto à secretaria do Estado
de São Paulo para reformas na EE “Culto à Ciência” e entre estas reformas estava a solicitação
para construção de novas salas com objetivo de atender à crescente demanda de alunos e
professores.
Assim consta nos documentos das figuras 6 e 7,
A Construção das salas de aula pedida pelo ofício 144/47e que formou o
processo 11.659-47, é uma medida imprescindível e urgente, pelos motivos
abaixo:
a) neste Colégio apenas 14 salas de aula e o número de classes tem sido
15. Isso tem pôr várias vezes impedido o desenvolvimento de classes.
b) As aulas de Trabalhos manuais e Economia Doméstica tem sido dada nas
salas comuns, pois com a deficiência destas não permite que sejam
adaptadas para as disciplinas citadas.
c) Não salas ambiente para Geografia, História, ciência e nem possibilidade
de instalá-las em vista de ser seu número insuficiente.
d) A sala de espera dos professores tornou-se muito pequena para o número
atual de docentes, tendo muitas vezes os professores de permanecerem de
no intervalo das aulas por falta de acomodação. A falta de salas foi
reconhecida pelo próprio [...]. (Extrato de Processo 8570 de 48).
A construção de novas salas também permitiu separar as turmas da disciplina de
trabalhos manuais por gênero, percebe-se neste momento a preocupação em separar as turmas
pelo gênero para que os conteúdos fossem melhor ministrados, uma vez que eram conteúdos
diferentes e as necessidades de espaço e material se faziam também diferentes, como constatado
nos documentos referentes às plantas das salas.
Nos documentos “Planta de sala de Artes Industriais Masculina” e Planta da sala de Artes
Industriais Feminina”, sem data, constatamos a divisão de gênero para a disciplina de trabalhos
manuais, de acordo com as plantas, as salas são moldadas para atender necessidades especificas
de conteúdo de acordo com o gênero.
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FIGURA 3 - Planta Sala de Artes Masculino.
Fonte: Arquivo Documental EE "Culto à Ciência".
Nas especificações da planta para a sala masculina identificamos os itens: sala com
114,79m, e mesas de concreto granitado, 1 tanque para cerâmica-granitado, 1 lavatório, 3
armários de madeira, mesa e cadeira para o professor, mesas de madeira forrada, quadro com
tomadas.
FIGURA 4 - Planta Sala de Aula Feminina.
Fonte: Arquivo Documental EE "Culto à Ciência".
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Enquanto nas especificações da planta para sala feminina identificamos os itens: sala
com 24,70m, 1 balcão armário de granito, 1 fogão com 4 discos elétricos; 1 armário de madeira,
máquina de costura, 1 mesa de madeira 3,00 x 1,00, 10 banquetas e 4 lâmpadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar os documentos sobre o programa curricular da EE “Culto à Ciência”
percebe-se um currículo enciclopédico, a ser analisado em seu caráter eurocêntrico, mas no que
tange a esse momento da discussão, ressalta-se o caráter propedêutico e eclético que o ginásio
tinha para a preparação de rapazes ao ingresso do Ensino Superior, o que caracterizava os
ginásios como instância de Ensino Secundário da época. Após a entrada das mulheres e o
Decreto-Lei Título III - do ensino secundário feminino, art. 25 prescrição 4, que determinava
que a orientação metodológica dos programas terá a natureza da mulher como direção e a
educação para dentro do lar, verifica-se a preocupação em atender às demandas que surgiam a
partir das necessidades de um currículo voltado para a educação no lar, aos bons costumes, às
boas maneiras, características presentes em outros ginásios e que visava uma educação
diferenciada por gênero.
REFERÊNCIAS
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1998
ALVEZ, R. L. Trajetórias femininas no Colégio Pedro II. Fortaleza: In: XXV SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA. Anais [...]. Fortaleza, 2009.
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Primária e Secundária do Distrito Federal. Decretos do governo provisório da República dos
Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, décimo primeiro fascículo, p. 3.474-3.513, 1891.
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-981-8-
novembro-1890-515376-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 20 nov. 2021.
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Nacional e ensino secundário nos Estados. Coleção das leis da República dos Estados Unidos
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GOODSON, F. I. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.
GOODSON, F. I. Currículo, teoria e história. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
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Paulo – Século XIX. São Paulo: Editora Plêiade, 1999.
MENEZES, M. C. A Escola e sua materialidade: o desafio do trabalho e a necessidade de
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MORAES, C. S. V. O ideário republicano e a educação: o Colégio "Culto a Ciencia" de
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Fontes manuscritas do Arquivo Histórico da EE “Culto à Ciência”:
Atas Reuniões da Congregação do período de 1896 a 1968. (s.d.).
Boletim dos Exames parciais e anual realizados em 1937 (s.d.)
Boletim dos Exames parciais realizados em 1938 das séries 1, 2, 3, 4 e 5. (s.d.).
Boletim de Prova Parcial 1939 das séries 1,2,3,4 e 5. (s.d.).
Boletim Provas Anual 1940. (s.d).
Provas Gerais 4 série 1941 a 1942. (s.d.).
Boletins de Provas da 1 a 5 séries de 1942 a 1943. (s.d).
Gymnasio de Campinas Matrículas do 1.º e 2.º anno do período de 1897 a 1910. (s.d.).
Gymnasio de Campinas Matrículas do 3.º e 4.º anno do período de 1897 a 1915. (s.d.).
Gymnasio de Campinas Matrículas do 5.º e 6.º anno do período de 1899 a 1915. (s.d.).
Livro de Registro de Diplomas do Gymnásio de Campinas 1901-1931. (s.d.).
Termos de Matrícula e Registro de Notas 1° série 1932 a 1948. (s.d.).
Termos de Matrícula e Registro de Notas 2° série 1932 a 1948. (s.d.).
Termos de Matrícula e Registro de Notas 3° série 1932 a 1949; (s.d.).
Termos de Matrícula e Registro de Notas 4° série 1933 a 1951; (s.d.).
Termos de Matrícula e Registro de Notas 5° série 1917 a 1933; (s.d.).
Termos de Matrícula e Registro de Notas 5° série 1933 a 1949; (s.d.).
Termos de Matrícula e Registro de Notas 6° série 1917 a 1951; (s.d.).
Termos de Matrícula do 1º e 2º ano 1910 a 1915. (s.d.).
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v10i00.20201
13
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 10, p. 1-13, e024018, 2024.
Ridphe_R
Termos de Matrícula e Registro de Notas 1.º ano do período de 1927 a 1931. (s.d.).
Termos de Matrículas e Registro de Notas do 2.º ano do período de 1916 a 1929. (s.d.).
Termos de Matrículas e Registro de Notas do 2.º ano do período de 1929 a 1931. (s.d.).
Termos de Matrículas e Registro de Notas do 3.º ano do período de 1916 a 1932. (s.d.).
Termos de Matrículas e Registro de Notas do 4.º ano do período de 1916 a 1932. (s.d.).
Provas Gerais 4° série 1941 a 1942(s.d.).
Provas Orais 3 série 1941 a 1943(s.d.).
Livro do Ginásio Oficial do Estado, ano de 1942, Curso Secundário, séries 1°, 2°, 3°, 4° e 5°,
turma mista, período diurno. (s.d.).
Recebido em: 23 de dezembro de 2024
Aceito em: 30 de dezembro de 2024