Resumo
Com a intensificação das críticas à hegemonia da paz liberal durante a Guerra ao Terror (2001-) liderada pelos Estados Unidos da América, a China e os outros países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul), passaram a questionar cada vez mais a promoção dos valores liberais (como a concepção ocidental de direitos humanos, governança democrática e a implementação de livre-mercado) no âmbito das intervenções humanitárias, bem como a efetividade do liberalismo para responder aos problemas econômicos, sociais, políticos e de segurança de países em crise. A pesquisa objetiva responder à pergunta: Como a China e os outros países do BRICS contestam a hegemonia da paz liberal no âmbito das operações de paz das Nações Unidas? Apesar da existência de uma literatura crescente acerca do questionamento das potências emergentes em relação à estrutura normativa da paz liberal na implementação das operações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), as estratégias usadas pelos seus membros no interior da Organização para fazê-lo ainda são pouco conhecidas, bem como os efeitos da atuação desses países na forma como as operações de paz são de fato conduzidas. Utilizamos a teoria construtivista de RI por ser aberta à ideia de que países do Sul Global são capazes de fomentar a transformação normativa por meio de mecanismos discursivos, deliberativos, persuasivos e de resistência, sob a lógica de que contestar normas é criar normas. Para tanto, realizamos um process tracing interpretativo para investigarmos as "práticas" dos BRICS em situações nas quais atuaram como empreendedores normativos em relação à implementação das operações de paz da ONU e, por meio de uma análise histórico-comparativa de duas operações de paz, comparamos a forma como as potências ocidentais e os BRICS conduzem as operações de paz e questionam a paz liberal nesse processo: a Missão de Apoio das Nações Unidas na Líbia (UNSMIL) (2011-), que contou com a participação decisiva da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e a Missão das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (UNMISS) (2011-), sob liderança da África do Sul (Diretor), da China (Vice-Diretor) e da Índia (Force Commander). Os resultados preliminares indicam que, diferentemente dos países ocidentais, a China e os outros membros do BRICS questionam a paz liberal por meio da defesa dos princípios da legalidade, do consentimento e da imparcialidade no processo de manutenção da paz. Assim, consideram que as missões de paz devem 1) ser realizadas apenas com autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSONU); 2) devem respeitar a cultura e a soberania do país anfitrião, abstendo-se de impor valores e realizar mudanças ilegítimas de regime; 3) devem realizar as operações de paz em diálogo com organizações internacionais, de escopo regional e global; e 4) devem preferir soluções baseadas na diplomacia, na proteção da população civil e na promoção das capacidades estatais e do desenvolvimento econômico do país afetado pelo conflito, em detrimento de soluções essencialmente militares.

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