Resumo
A categoria “monossexual” apareceu no cenário político brasileiro nos últimos anos, especialmente a partir dos debates promovidos pelo movimento bissexual e as pesquisas contemporâneas sobre bissexualidade. Ainda há, porém, pouca reflexão sistemática sobre sua circulação, seus usos e as classificações induzidas por essa categoria no âmbito do gênero e da sexualidade. Para contribuir para este fim, realizei uma revisão da bibliografia científica e ativista, internacional e brasileira, e a analiso de forma a identificar os processos históricos de mudança nos quais a emergência da categoria “monossexual” se insere e interfere. Em vez de apenas uma criação do movimento bissexual, a categoria “monossexual” é de uma distante origem científica e tem apropriações recentes que nem sempre se restringem a seus usos políticos, inclusive no Brasil. Sua recepção, por sua vez, tem sido uma peça importante em um contexto de emergência de novos atores políticos e negociações de movimentos sociais que envolvem a formação de novos níveis classificatórios da sexualidade.
Referências
ALVAREZ, Sonia E. Para além da sociedade civil: reflexões sobre o campo feminista. Cadernos Pagu, n. 43, p. 13-56, 2014.
ANDERLINI-D’ONOFRIO, Serena; ALEXANDER, Jonathan (orgs.). Journal of Bisexuality – Bisexuality and queer theory: intersections, diversions, and connections, v. 9, n. 3-4, 2009.
ANGELIDES, Steven. A history of bisexuality. Chicago: The University of Chicago Press, 2001.
BARBOSA, Bruno Cesar. Nomes e diferenças: uma etnografia dos usos das categorias travesti e transexual. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
BRIGEIRO, Mauro. A emergência da assexualidade: notas sobre política sexual, ethos científico e o desinteresse pelo sexo. Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 14, p. 253‐283, 2013.
BURRILL, Kathryn G. Queering bisexuality. Journal of Bisexuality, v. 9, n. 3-4, p. 491-499, 2009.
BUTTURI JÚNIOR, Atílio. A passividade e o fantasma: o discurso monossexual no Brasil. Tese de Doutorado em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.
CARRARA, Sérgio. A antropologia e o processo de cidadanização da homossexualidade no Brasil. Cadernos Pagu, n. 47, p. 1-38, 2016.
CAVALCANTI, Camila Dias. Visíveis e invisíveis: práticas e identidade bissexual. Dissertação de Mestrado em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.
COSTA, Alexandra Martins; TOLEDO, Alexandre. Brazil. In: OCHS, Robyn; ROWLEY, Sarah E. (orgs.). Getting bi: voices of bisexuals around the world. Boston: Bisexual Resource Center, 2009, p. 330-332.
DONALDSON, Stephen. The bisexual movement’s beginnings in the 70s: a personal retrospective. In: TUCKER, Naomi (org.). Bisexual politics: theories, queries and visions. Nova York: Routledge, 2013, p. 31-45.
DUMARESQ, Leila. O cisgênero existe. Monstruosas: dissidência sexual, políticas nômades e anti-humanismo. 2014. Disponível em: https://we.riseup.net/assets/262468/cisgenero.pdf. Acesso: 02/agosto/2024.
DURHAM, Eunice. A pesquisa antropológica com populações urbanas: problemas e perspectivas. In: CARDOSO, Ruth C. L. (org.). A aventura antropológica. São Paulo: Paz e Terra, 1986, p. 17-37.
DURKHEIM, Émile; MAUSS, Marcel. Primitive classification. Londres: Cohen & West, 1969.
EDELMAN, Lee. Homographesis: essays in gay literary and cultural theory. Nova York: Routledge, 1994.
EISNER, Shiri. Bi: notas para uma revolução bissexual. São Paulo: Linha a Linha, 2021.
EISNER, Shiri. Love, rage and the occupation: bisexual politics in Israel/Palestine. Journal of Bisexuality, v. 12, n. 1, p. 80-137, 2012.
FACCHINI, Regina. De homossexuais a LGBTQIAP+: sujeitos políticos, saberes, mudanças e enquadramentos. In: FACCHINI, Regina; FRANÇA, Isadora Lins (orgs.). Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo. Campinas: Editora da Unicamp, 2020, p. 31-69.
FACCHINI, Regina. Entrecruzando diferenças: mulheres e (homo)sexualidades na cidade de São Paulo. In: DÍAZ-BENÍTEZ, María Elvira; FÍGARI, Carlos Eduardo (orgs.). Prazeres dissidentes. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 309-342.
FACCHINI, Regina. Múltiplas identidades, diferentes enquadramentos e visibilidades: um olhar para os 40 anos do movimento LGBTI. In: GREEN, James N; et al (orgs.). História do movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Alameda, 2018, p. 311-329.
FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas?: movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
FACCHINI, Regina; CARMO, Íris Nery do; LIMA, Stephanie Pereira. Movimentos feminista, negro e LGBTI no Brasil: sujeitos, teias e enquadramentos. Educ. Soc., v. 41, p. e230408, 2020.
FAUSTO-STERLING, Anne. Dualismos em duelo. Cadernos Pagu, n. 17-18, p. 9-79, 2002.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
FREUD, Sigmund. Cartas sobre a bissexualidade. In: FREUD, Sigmund. Amor, sexualidade, feminilidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2020, p. 37-80.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na cultura. Porto Alegre: L&PM, 2010.
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: FREUD, Sigmund. Obras completas, volume 6: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Análise fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-1905). São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 13-172.
FRY, Peter. Para inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.
FRY, Peter; CARRARA. “Se oriente rapaz!”: onde ficam os antropólogos em relação a pastores, geneticistas e tantos “outros” na controvérsia sobre as causas da homossexualidade?. Revista de Antropologia, v. 59, n. 1, p. 258-280, 2016.
FUSS, Diana. Inside/out: lesbian theories, gay theories. Nova York: Routledge, 1991.
GARBER, Marjorie. Vice-versa: bissexualidade e o erotismo na vida cotidiana. Rio de Janeiro: Record, 1997.
HACKING, Ian. The social construction of what?. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
HALPERIN, David M. Saint Foucault: towards a gay hagiography. Oxford: Oxford University Press, 1995.
HALPERIN, David. The normalization of queer theory. Journal of Homosexuality, v. 45, n. 2-4, p. 339-343, 2003.
HALPERIN, David. Thirteen ways of looking at a bisexual. Journal of Bisexuality, v. 9, p. 451-455, 2009.
HARAWAY, Donna. A cyborg manifesto: science, technology, and socialist-feminism in the late twientieth century. In: HARAWAY, Donna. Simians, cyborgs, and women: the reinvention of nature. Nova York: Routledge, 1991, p. 216-259.
HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, n. 5, p. 7-41, 1995.
HAYFIELD, Nikki; KŘÍŽOVÁ, Karolína. It’s like bisexuality, but it isn’t: pansexual and panromantic people’s understandings of their identities and experiences of becoming educated about gender and sexuality. Journal of Bisexuality, v. 21, n. 2, p. 167-193, 2021.
HÆCKEL, Ernesto. Maravilhas da vida: estudos de filosofia biologica, para servirem de complemento aos Enigmas do Universo. Porto: Livraria Lello & Irmão, 1946.
HEMMINGS, Clare. Bisexual spaces: a geography of sexuality and gender. Nova York: Routledge, 2002.
HUTCHINS, Loraine; KA’AHUMANU, Lani (orgs.). Bi any other name: bisexual people speak out. Boston: Alyson Publications, 1991.
IAZZETTI, Brume Dezembro. Existe “universidade” em pajubá?: transições e interseccionalidades no acesso e permanência de pessoas trans*. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021.
KATZ, Jonathan. A invenção da heterossexualidade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
KINSEY, Alfred C; POMEROY, Wardell B; MARTIN, Clyde E. Sexual behavior in the human male. Filadélfia: W. B. Saunders Company, 1948.
KLEIN, Fritz. The bisexual option. West Hollywood: American Institute of Bisexuality, 1993.
KLIDZIO, Danieli. Existências em rosa, roxo e azul: ativismos e visibilidades bissexuais brasileiras a partir das mídias digitais. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2023.
KRAFFT-EBING, Richard von. Psychopathia Sexualis, com especial referência ao instinto sexual antipático: um estudo médico-forense. Curitiba: Antonio Fontoura, 2017.
LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
LEÃO, Maria. Os unicórnios no fim do arco-íris: bissexualidade feminina, identidades e política no Seminário Nacional de Lésbicas e Bissexuais. Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
LEWIS, Elizabeth Sara. “Não é uma fase”: construções identitárias em narrativas de ativistas LGBT que se identificam como bissexuais. Dissertação de Mestrado em Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
MacDOWALL, Lachlan. Historicizing contemporary bisexuality. Journal of Bisexuality, v. 9, p. 3-15, 2009.
MACRAE, Edward. A construção da igualdade: política e identidade homossexual no Brasil da “abertura”. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.
McINTOSH, Mary. The homosexual role. Social Problems, v. 16, n. 2, p. 182-192, 1968.
MONACO, Helena Motta. “A gente existe!”: ativismo e narrativas bissexuais em um coletivo monodissidente. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020a.
MONACO, Helena Motta. Acolhimento como ativismo: ações de um coletivo bissexual na criação de espaços “monodissidentes”. Simbiótica, v. 7, n. 3, p. 228-251, 2020b.
MONACO, Helena Motta. Entre muros e fronteiras: teorias e epistemologias bissexuais. Aceno: Revista de Antropologia do Centro-Oeste, v. 8, n. 16, p. 91-106, 2021.
MONEY, John. Gay, straight and in-between: the sexology of erotic orientation. Nova York: Oxford University Press, 1988.
MOSCHKOVICH, Marília. Notas para um materialismo bi-alético. REBEH, v. 3, n. 10, p. 109-127, 2020.
PRECIADO, Paul B. Testo junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1 edições, 2018.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. San Pablo: CLACSO, 2005, p. 107-126.
RODOVALHO, Amara Moira. O cis pelo trans. Estudos Feministas, v. 25, p. 365-373, 2017.
RUBIN, Gayle. Pensando o sexo. In: RUBIN, Gayle. Políticas do sexo. São Paulo: UBU Editora, 2017, p. 63-128.
SALDANHA, Inácio; MONACO, Helena; CRUZ, Beatriz. Bissexualidade, ativismo e produção de saberes: notas introdutórias sobre os estudos e movimentos bissexuais. Revista Anômalas, v. 2, n. 2, p. 139-159, 2022.
SILVA, Tayná Sousa da. Pansexualidade: uma sexualidade monodissidente. Anais do V Seminário Internacional Desfazendo Gênero. Campina Grande: Realize, 2021.
SOMMERVILLE, Siobhan. Scientific racism and the emergence of the homosexual body. Journal of the History of Sexuality, v. 5, n. 2, p. 243-266, 1994.
SONG, Silian; ZHANG, Jianzhi. Genetic variants underlying human bisexual behavior are reproductively advantageous. Science Advances, v. 10, n. 1, p. eadj6958, 2024.
SPHYNX, Vik. Parentesco: monossexualidade é uma troca de plágios. Bi-Sides, 20 abr. 2020. Disponível em: https://www.bisides.com/post/parentesco-monossexualidade-%C3%A9-uma-troca-de-pl%C3%A1gios. Acesso em: 30/janeiro/2024.
STEKEL, Wilhelm. Bi-sexual love: the homosexual neurosis. Boston: The Gorham Press, 1922.
STORMS, Michael D. Theories of sexual orientation. Journal of Personality and Social Psychology, v. 38, n. 5, p. 783-792, 1980.
STRATHERN, Marilyn. O gênero da dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
SURESHA, Ron Jackson; ALEXANDER, Jonathan. Kinsey and the case for bisexual civil rights: an interview with Yale legal scholar Kenji Yoshino. Journal of Bisexuality, v. 8, n. 3-4, p. 197-202, 2008.
VAS, Dani. Militância como convite ao diálogo: o caso da militância monodissidente. Dissertação de Mestrado em Psicologia Experimental, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.
VERGUEIRO, Viviane. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. Dissertação de Mestrado em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.
VIEIRA, Amiel Modesto. Trilhas para a intersexofobia. Caderno Espaço Feminino, v. 36, n. 1, p. 110-137, 2023.
WEISS, Jillian Todd. GL vs. BT: the archaeology of biphobia and transphobia within the U.S. gay and lesbian community. Journal of Bisexuality, v. 3, n. 3-4, p. 25-55, 2003.
YOSHINO, Kenji. The epistemic contract of bisexual erasure. Stanford Law Review, v. 52, n. 2, p. 353-478, 2000.

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.
Copyright (c) 2024 Inácio Saldanha